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Mostrando postagens de dezembro, 2025

**Porto dos Gaúchos – a cidade que nasceu desafiando a selva**

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Quem viveu cinco anos no norte de Mato Grosso, como eu, acaba desenvolvendo uma curiosidade quase irresistível por Porto dos Gaúchos. A cidade sempre me pareceu um mistério: como foi possível fundar, em pleno coração da Amazônia mato-grossense, um povoado nos anos 1950, décadas antes da BR-163 (Cuiabá-Santarém) ou de qualquer infraestrutura mínima de sobrevivência? A resposta chegou em forma de uma obra monumental: um livro de quase 400 páginas organizado por Henrique Meyer, filho do lendário colonizador Guilherme “Willy” Meyer (falecido em 1994). Com a ajuda dos irmãos Ingrid e Neac Arigbátsa, Henrique reuniu fotografias, recortes de jornais, boletins da empresa colonizadora e relatos de época para contar, em detalhes impressionantes, a saga dos pioneiros que transformaram a Gleba Arinos em uma das cidades mais antigas e simbólicas do norte matogrossense. Trata-se de uma experiência de colonização privada e visionária, rara no Brasil. Em 1955, partindo de Santa Rosa (RS), Willy Meyer ...

Joy

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O relógio da parede marcava quase quatro da manhã quando Gabriela, enfim, deixou-se cair sobre o banco de veludo encardido do camarim do Bataclan. O vestido de lantejoulas prateadas, que horas antes reluzia como um céu de estrelas, agora parecia pesado demais, como se carregasse o peso de todas as noites que ela já dançara ali. A maquiagem escorria em fios negros sob os olhos; o rouge, borrado, dava-lhe um ar de boneca abandonada. Nos pés, as sandálias de cetim estavam rasgadas na sola — ela nem se lembrava de quando acontecera. O corpo doía inteiro, das coxas queimando até a nuca, que parecia presa num torno. Os coronéis tinham sido generosos aquela noite, como sempre. Flores, champanhe, notas gordas enfiadas no decote com dedos trêmulos de desejo. O coronel Narciso, o mais velho e o mais apaixonado, ficara até o fim, sentado na primeira fila, os olhos vidrados nela como se fosse a última mulher do mundo. Quando o espetáculo terminou, ele subira ao palco mancando, o chapéu na mão, e...

Cuiabá Santarém, O início.

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Revista Manchete nº 1.045 – 29 de abril de 1972 Nas páginas centrais, a grande reportagem tinha um título épico: “Cuiabá-Santarém: a estrada que abre o coração do Brasil adentro”. Fotografias impactantes mostravam picadas brutais na mata fechada, pontes precárias lançadas sobre rios imensos, operários queimando em febre, devorados por mosquitos e pela malária. Com orgulho ufanista, a Manchete celebrava a inauguração oficial da BR-163 como o grande símbolo do milagre econômico e da “integração nacional”. Sob o subtítulo triunfal “Do Planalto Central ao Amazonas em linha reta”, o texto enaltecia a obra do governo Emílio Garrastazu Médici, prometendo progresso, povoamento e riqueza sem fim para a Amazônia. Meio século depois, folhear novamente aquelas páginas é revisitar o auge do sonho desenvolvimentista – e, ao mesmo tempo, antever o altíssimo custo ambiental, social e humano que a rodovia efetivamente cobraria nos anos seguintes.