Sejam férteis e multipliquem-se. Gênesis 1-28

 

Mas o que é isso?

E antes que estranhem o relato, convém alertar que isso foi escrito há mais de meio século. A pertinência ou não vai do foro íntimo de cada um. Ponto.




De repente, o casal percebe que a lua-de-mel acabou. "Antônio não é mais aquele dos nossos tempos de namoro", queixa-se ela.

As críticas são mútuas e se arrastam ano após ano, protegidas de uma explosão de ânimos por um clima de forçada tolerância. Até que um dia a bomba estoura, e o casal passa a falar de um rompimento definitivo. Em 1968, cerca de 7000 casais com os mesmos problemas de Antônio e sua mulher encontraram como única solução o desquite. Nesse mesmo ano, em todo o Brasil, houve 400 000 casamentos. Mas apenas na Guanabara, em 1973, ano em que se realizaram perto de 30 000 casamentos no Estado, o número de desquites quase atinge a casa dos 10 000. Em todos os grandes centros urbanos, o gráfico da desarmonia conjugal tende a subir. Em São Paulo, capital, houve cerca de 1500 desquites legalizados em 1972 e quase 5 000 em 1973. Apesar de tudo, esses números são amenos, em comparação com os registrados nos Estados Unidos: lá, em um ano, passam pela pretoria 2 milhões de casais, enquanto 600 000 se divorciam.Haverá salvação para o casamento nessas condições? Para os pessimistas os números provam que matrimônio é uma instituição obsoleta.

O casamento feliz não nasce do amor de namorados — 0 psiquiatra americano William J. Lederer, diretor do Instituto de Pesquisa Mental de Palo Alto, no entanto, defende a necessidade de se manter integro o costume de uma união duradoura e aponta algumas razões que foram confirmadas estatisticamente:

— as pessoas bem casadas têm mais saúde e vida mais longa em relação aos celibatários ou aqueles infelizes na vida conjugal;

— as pessoas bem casadas possuem padrão de vida mais alto;

— filhos de pais bem casados tendem a ser felizes no casamento, gozam de melhor saúde, fogem de casa menos freqüentemente.


Mas, então, qual a razão de tantos fracassos conjugais?

O dr. Lederer cita os três motivos principais:

1 - A ingenuidade dos noivos em ver o casamento como um paraíso, onde o amor destruirá qualquer barreira. Bastam as estatísticas sobre os desquites para provar que essa crença não passa de um mito.

2 — O outro mito no qual os noivos acreditam cegamente: o de que as pessoas se casam porque se amam. Na verdade elas se casam para atender às suas necessidades sexuais, ou por se sentirem sós, ou são levadas por um sentimento de independência. Raramente o amor é o impulso básico.

3 - Muitos casamentos são destruídos pela competição entre os costumes trazidos da família pela noiva e os que o noivo herdou do seu meio de origem. Cada um leva para a vida em comum um tipo de comportamento adquirido durante a infancia e tenta impô-lo, gerando os conflitos. Ao assumir pela primeira vez as responsabilidades de um lar, tanto o homem como a mulher ficam tensos e inseguros diante das novas decisões a tomar. E inconscientemente começam a imitar nos gestos, no tom de voz, nos argumentos, alguém da própria família — o pai, a mãe, um irmão mais velho ou até tios ou avós. Essa trasnformação ocorre principalmente numa discussão.

A mulher fica confusa e sente-se como se estivesse falando com uma pessoa completamente estranha. E a mesma impressão terá o marido. Quando duas pessoas se casam, dizem os psicólogos, são duas famílias que estão se unindo e precisam encontrar uma forma de harmonizar seus costumes, suas tradições, defeitos e virtudes. E quanto mais elas diferirem, maiores serão as possibilidades de brigas e discussões entre o casal.


O progresso aumentou as áreas de atrito - Esse fenômeno, acha Lederer, é relativamente novo e surgiu com o desenvolvimento das comunicações. Antigamente, as famílias se locomoviam menos e os casamentos se faziam entre jovens de uma mesma comunidade, muitas vezes até entre vizinhos. Tinham os mesmos costumes, nível econômico equivalente, professavam a mesma religião.

Além disso, os papéis do homem e da mulher dentro da casa estavam perfeitamente definidos. As áreas de atrito, portanto, ficavam reduzidas ao mínimo. Daí a razão de ser bem menor a porcentagem de separações no interior e zonas rurais. A facilidade de locomoção atual, porém, põe em contato pessoas das mais variadas regiões e camadas sociais, transformando o esforço de adaptação, nos casamentos, em verdadeiras batalhas.

Durante o namoro e o noivado, os casais ocultam sua verdadeira personalidade. Eles acreditam que estão verdadeiramente apaixonados e perdem a capacidade de estudar objetivamente seu compor-tamento. Tornam-se extremamente amorosos e tolerantes. O objetivo óbvio é levar o relacionamento a bom termo. Mas logo após o casamento a verdadeira personalidade ressurge, com todos os seus naturais defeitos e toda a carga de tradições e preconceitos herdados da antiga família e ardilosamente ocultos. Então a situação se inver-te. O marido ou a mulher são incapazes de dissimular seus sentimentos hostis. E quando tentam fazê-lo fracassam, porque poucos têm uma visão objetiva de sua própria pessoa e muito menos de como os outros os vêem.


Marta e Adolfo, um casal em busca da harmonia - 0 dr. Lederer comprovou fartamente esse fato através da videoterapia.

Como no caso de Marta e Adolfo, um casal de clientes. Os dois já haviam gasto uma considerável soma com psicólogos e conselheiros matrimoniais, mas não viam nenhuma possibilidade de salvar seu casamento. Colocaram seu futuro nas mãos do dr. Lederer. O médico aceitou o caso, impondo duas condições. As entrevistas seriam realizadas na residência do casal, durante o almoço, e com toda a família reunida (segundo Lederer, as pessoas falam menos enquanto comem e é possível estudar melhor seu comportamento); as sessões seriam gravadas em videotape.

Terminado o primeiro encontro, o dr. Lederer adaptou a fita gravada ao televisor e pediu a cada um que estudasse detidamente o próprio comportamento na tela. Antes, porém, perguntou a Adolfo:

"Você se lembra de que quando íamos nos sentar à mesa sua mulher pediu-lhe para levá-la ao teatro?" "Claro", respondeu Adolfo, orgulhosamente. "E eu quis ser agradável, dizendo-lhe que a levaria. Na verdade detesto o teatro."


Na videoterapia, a verdadeira imagem — Quando o dr. Lederer ligou o televisor, Adolfo teve uma reação inesperada: "Desligue essa droga!" As imagens pareciam chocá-lo. A fita, porém, rodou até o fim. Fez-se um profundo silêncio e Adolfo falou com voz amargurada: "Meu Deus, e eu que pensei estar sendo agradável a Marta. A minha expressão ao lhe responder poderia tê-la matado. Eu parecia um vampiro!" Sua filha, de 15 anos, então comentou: "Mas papai, essa é a sua cara sempre que você fala com a mamãe". Os dois meninos, de 11 e 9 anos, balançaram a cabeça, concordando. Em seguida, o dr. Lederer repassou a fita, eliminando o som. No fim, todos choravam. "Não sei como Marta me agüentou todo esse tempo, meu rosto está sempre carrancudo", disse Adolfo. Marta, abatida, falou: "Eu me vi na televisão como uma megera. Por que não consigo ser sempre amável como quando pedi a Adolfo que me levasse ao teatro?" A filha, por sua vez, percebeu que constantemente fazia observações aos pais e irmãos: "Mamãe e papai têm razão quando me mandam calar a boca". Só os dois meninos não tiveram nada a dizer.

As sessões prosseguiram sob a orientação do psiquiatra, com os membros da família tentando ser cada vez mais gentis uns com os outros. Sempre, porém, buscando um clima de sinceridade, pois haviam aprendido que seus verdadeiros sentimentos acabavam transparecendo no rosto. No último encontro, Lederer, antes de mostrar o tape final, exibiu o pri-meiro. Adolfo, Marta e os filhos mal podiam acreditar que aquele grupo hostil e sombrio eram deles próprios. Em compensação, a outra gravação mostrava uma família sorridente, relacionando-se com dignidade e respeito — e a alegria era sincera.


O verdadeiro amor nasce com o sofrimento - Algumas lições fundamentais tiradas p dr. Lederer de toda a sua experiência em lidar com problemas conjugais:

1 - Os noivos devem fazer questão de revelar integralmente sua personalidade. Isso implica serem absolutamente sinceros em suas manifestações emocionais.

Exige um grande esforço e uma visão bastante realista, pois quando uma pessoa pensa estar amando, sua mente fica obscurecida pouco objetiva.

Ela pode estar encenando, camuflando seus defeitos e jamais reconhecer isso.

2 - Noivos ou casados precisam convencer-se de que é impossível controlar ou dirigir o comportamento do companheiro.Ninguém pode brincar de Deus no casamento. As mudanças de personalidade ou de atitudes, se elas se fizerem necessárias para a harmonia do casal, uma vez passada a lua-de-mel, devem surgir voluntariamente, através da compreensão de que às vezes é preciso ceder da vontade de querer ver feliz marido ou a mulher. Desse relacionamento, capaz de sacrifícios voluntários e absoluto respeito pelo modo de ser do outro (inclusive pelo direito de mudar, evoluir é que nasce o verdadeiro amor.

A palavra "união", no sentido de "fusão de almas", de "duas pessoas se tornarem uma só" irrita profundamente o dr. Lederer. Na sua opinião, quem quiser fazer um bom casamento deve entender que os gostos, hábitos e particularidades de uma pessoa são únicos na Terra e precisam ser respeitados - principalmente o comportamento trazido da família paterna.

O dr. Lederer não concorda com a atitude da maioria dos noivos quando desprezam um relacionamento mais íntimo com os pais e parentes da noiva, dizendo

"Vou me casar com ela e não com a sua família". Esse conhecimento de ambos os lados, é importan tíssimo, pois fornecerá valiosa informações sobre o futuro comportamento do parceiro. Um observador mais perspicaz perceberá que, nessa família, tem maior influência sobre a pessoa objeto de seu interesse e de quem ela herdou os traços mais fortes de sua personalidade.

Evidentemente deve-se ter como objetivo não a procura de defeitos do noivo ou da noiva, mas sim compreender melhor as atitudes que fatalmente manifestar-se- ão durante a vida conjugal —e desde que se tenha os olhos abertos para a realidade será possível saber se eles serão toleráveis ou não.


Quem casa deve ter sempre tempo para o amor - 3- Embora bastante elementar, marido e mulher esquecem que, após o casamento e durante toda a vida, a harmonia conjugal é uma conquista diária. Nas grandes cidades, a agitação, a busca da riqueza, a televisão à noite e, conseqüentemente, a estafa física e mental praticamente acabaram com o diálogo na família, os momentos de conversa a dois, calma e serena, o namoro, atualmente tão desprezado. Não é de admirar que uma pesquisa realizada em Paris revelasse um número surpreendente de mulheres casadas descontentes com a escassa atividade sexual, e de maridos com sérios problemas de impotência. Simplesmente não existe mais tempo para uma adequada preparação do clima que deve anteceder o ato de amor. No fim do dia restam apenas dois corpos exaustos e duas mentes atulhadas de frustrações e preocupações de ordem econômica. Geralmente um preço alto demais para um automóvel mais novo ou uma casa um pouco mais espaçosa. Ainda que à custa de uma pequena queda no orçamento, o marido deveria remanejar seu tempo para poder sentar-se com sua mulher, pelo menos por uma hora, e dizer-lhe palavras carinhosas, e o mesmo deveria fazer a mulher para poder preparar uma agradável recepção, do mesmo modo como ela fazia durante o namoro não só para agradá-lo,.mas também por medo de perdê-lo.


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Fernando Torres e Fernanda Montenegro pisaram juntos o palco de um teatro semi-amador em 1950. Um ano depois, casaram-se. Hoje, após 23 anos de vida em comum, Fernando atribui os acertos a uma receita sem nenhuma magia: paciência.

"É um exercício, sabe? Após as assinaturas e a bênção começa o período de adaptação. Um tempo de aparar as arestas, de adaptar corpos e espíritos, que exige uma paciência enorme - inclusive para suportar o amor, que às vezes pode ser tão desvairado quanto o de Otelo e Desdêmona. Mas o importante é que, após as crises, grandes ou pequenas, saímos sempre revigorados, com o auxílio de duas importantes âncoras: nossos filhos Cláudio e Fernanda." Para Fernanda Montenegro o problema básico do casamento é aprender a viver com alguém diferente da gente. "Os conflitos surgem nos primeiros anos, quando um pretende fazer do outro sua imagem e semelhança. Outro ponto importante é que haja fidelidade a toda prova, nas menores coisas. Tanto do ponto de vista fisico como no diálogo. O risco é que um tente dominar o outro." Ambos acham que as crises devem ser aceitas com naturalidade e usadas para enriqueci-mento: "Um casal feliz tem desacertos, reencontros, tem diálogo".


Artigo extraído da Revista REALIDADE da Editora Abril, edição 98 de Maio de 1974.

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