Brasil, século 21
Seu João, vamos chamá-lo assim, vive da pesca da piaba, um peixe minúsculo, abundante nas águas calmas do Rio Pericumã, vendendo por R$ 3,00, isso mesmo, três reais, o quilo, lá em Pinheiro,na região conhecida como Baixada Maranhense.Num dia de pesca boa, ele ganha 30,00 ou 40,00, dos quais retira seu sustento e de sua família. Um pelo outro, dia bom e dia ruim, não passa de 600,00 sua renda. Na moeda dos economistas, são em torno de U$ 4,00 dólares por dia. Quando as águas baixam, essa conta cai pela metade.
Nem sabe dizer desde quando mora nessa casa, tendo quase certeza que nasceu ali. Nunca foi à escola, nunca aprendeu a ler. Seu mundo é visual e verbal. A catarata prejudica sua visão e ele não mais fala a língua que jurava saber de cor.
Seu João precisou da Justiça, basicamente porque precisa aposentar-se: a pesca ficou perigosa e os braços não conseguem mais empurrar o remo da canoa. Na sua vida,tudo se move à tração humana:a água da cisterna,o bote, o peixe, o candeeiro.
O juiz - de muita pompa - exigiu que ele, para obter a gratuidade judiciária, deveria apresentar o extrato do cartão de crédito e um comprovante de pagamento de luz.
Nunca teve luz elétrica e a luz que o alumia vem do sol e da Lua, que ontem brilhava magnificamente em Pinheiro. Nunca soube o que é crédito, jamais alguém lhe deu algo parecido, tudo que compra é à vista e em dinheiro, muito pouco dinheiro.
O jovem advogado juntou a foto e um verso:
“Como eu não sei rezar,
Só queria mostrar meu olhar, meu olhar, meu olhar…”
O juiz que vive no Brasil formal não compreende a dor de Seu João, nem sabe o que é uma piaba, muito menos sabe o que significa receber 3 reais pelo trabalho.
Seu João resignadamente espera, mesmo sabendo que não há a esperar do juiz burocrata.
Na petição, apenas, “serve essa foto?”
“É tudo o que ele tem.”
Termos em que
Pede Deferimento.
O juiz ainda não decidiu.
Carolina Laramendi
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