Epopeia - Manaus a São Paulo




MANAUS-SAO PAULO A PRIMEIRA GRANDE VIAGEM DA HONDA CG 125: 5.900 KM EM 9 DIAS.

A Honda CG 125 n.º 19 saiu da linha de montagem da fábrica, em Manaus, e começou seu grande teste: uma viagem praticamente sem parar, até São Paulo. No fim de nove dias, depois de rodar quase seis mil quilômetros, ela passou pelo teste. Todos os detalhes da viagem são contados nas páginas seguintes por Josias Silveira, supervisor técnico da revista Duas Rodas Motociclismo.


O mais difícil: vencer a burocracia, em Manaus.

No porto de Manaus, três Honda CG 125. nacionais, chegam aos portões. São as primeiras motos Honda fabricadas no Brasil que são retiradas da linha de montagem para rodar: vão de Manaus a São Paulo. Duas delas a minha e a de Yasuhito Kato, um dos Service Factory Men da Honda do Japão vão via Belém, pelo litoral, percorrendo todo o Nordeste. As outras, com Kanesada Kajiki, japones de 58 anos, vai pela Belém-Brasília, um roteiro mais direto.


Mas, até a chegada ao porto de Manaus, o trajeto foi bastante complicado: um roteiro burocrático que durou quinze dias pelos muitos departamentos oficiais de Manaus. A melhor desculpa para esta demora, inexplicável para um produto nacional. foi a de que "nunca ninguém quisera, antes, sair rodando. do Amazonas com um televisor nacionalizado".


A Honda iria distribuir as motos por São Paulo e as CG não serão nem mesmo vendi das em Manaus eo caso das motos que virão rodando era o primeiro e único: a proposta era ir buscar uma moto na fábrica para testes, como é habitual. O fato da fábrica estar instalada em Manaus tornaria o teste mais longo, mas também bem mais completo. A Honda concordou com a proposta e pediu que um dos SF Men, Kato, fizesse a viagem: a CG 125 é nova não só no Brasil. O modelo já existia na Ásia, mas foi aperfeiçoado para o lançamento no Brasil e na França, onde uma mecânica semelhante tem um design de tanques, pára-lamas e laterais um pouco diferente. Com as modificações. havia interesse da Honda em ter o maior número de informações sobre o comportamento da CG em condições criticas: seis mil quilômetros, atravessando todo o Nordeste. forneceriam todas as informações possíveis.


Com as complicações legais para a saída da moto da Zona Franca, tive que me tornar o primeiro proprietário, legalmente, de uma Honda nacional: no dia 4 de novembro, quando foi inaugurada a fábrica, recebi um certificado de propriedade da moto 0000019. Era a primeira que iria rodar realmente e a moto estava em meu nome porque era a única maneira de sair de Manaus. As motos anteriores a essa foram utilizadas para testes de qualidade e uma foi doada ao governador do Amazonas e nem havia saido da fábrica. Seis dias depois da inauguração, 10 de novembro, os documentos ficaram prontos e as motos chegavam ao porto de Manaus.

A carga da minha moto reunia 50 quilos de bagagem, meio quilo de papéis para liberação da moto e um enorme caixa que me empurrava contra u tanque tinha muitas dúzias de cerveja em lata e bolachas para ajudar a enfrentar o que pensávamos que seriam quatro dias de balsa.

Na Alfândega tivemos uma decepção: os guardas não se preocuparam muito com o meio quilo de papéis que liberavam as motos. Olhavam, mexiam nas motos e, orgulhosos, comentavam perguntando sobre a moto que era fabricada em sua cidade. As CG foram embarcadas na balsa na quarta-feira mesmo, e a partida estava prevista para as 20 horas. Faltaram alguns containers que deveriam ter sido embarcados e a partida foi transferida para o dia seguinte. pela manhã. Voltamos ao hotel. No dia seguinte, à tarde, novos problemas: a Policia Marítima vetou a saída da balsa por problemas de segurança, e passamos a noite esperando uma possível saída. Pescamos dois bagres, que achamos enormes, e os marinheiros consideraram "peixinhos".

Como a balsa sairia na manhã seguinte. dormimos dentro de um enorme refrigerador instalado na plataforma: havia sido testado naquele dia e a temperatura interna era de 15. Fora, mais de 30°.

Finalmente, no dia seguinte, a balsa saiu: eram 10 horas da manhã do dia 12 de novembro. Nosso atraso, por causa da documentação e da balsa, já era de sete dias. E, durante todo este tempo, as motos estavam paradas.

Passados os primeiros quilômetros no Rio Negro e o encontro com o rio Amazonas onde as manchas escuras da água do Negro demoram mais de 10 quilômetros para se misturar com a água barrenta do Amazonas - tomei minha primeira providência a bordo: um bom banho. Aprendi a tirar água com balde do rio: a balsa fica a um metro e meio da água e não foi fácil, nas primeiras vezes, jogar o balde amarrado com uma corda e trazê-lo de volta. Principalmente com água.

Aprendi a manejar o balde e perdi meu pincel de barba enquanto fazia a barba no espelho que tinha retirado da moto o pincel rolou pelo chão liso da balsa e foi direto para o Amazonas. Comecei a prestar mais atenção nos objetos que não estavam amarrados. Inclusive em mim.

Os rios da região amazônica são um capitulo à parte: em alguns trechos do Amazonas (e do Negro também) principalmente de manhã, quando uma névoa atrapalha um pouco a visibilidade. é muito difícil enxergar as margens. Perguntava o nome de rios menores que desembocam no Amazonas: "é um igara pé". Qualquer rio que tenha menos de um quilômetro de largura é simplesmente "um igarapé- pequeno braço de água. Conhecer a bacia amazônica muda completamente a noção do que seja um "rio grande". A maio ria dos rios que eu conhecia até então, e achava "grandes", não passariam de igarapés na Amazônia.

À noite, estendi uma rede que tinha.com. prado às pressas, e resolvi dormir. Enquanto tentava achar a posição ideal que tinha observado nas "gaiolas" (pequenas embarcações que navegam pelo Amazonas com todo o pessoal deitado lado a lado em redes) comecei a observar a navegação noturna: a cabine refrigerada impedia completamente a visibilidade para frente de quem estava dirigindo o "empurrador". No escuro, vendo apenas as margens distantes do Amazonas, o timoneiro amarrava o timão, subia por escada para o teto da cabine de comando e olhava em frente. Subi no refrigerador e tentei ver alguma coisa: só conseguia observar escuridão. O timoneiro descia do teto da cabine de comando, corrigia a rota e voltava ao teto... E eu virava na rede pensando em que barranco ou se nas muitas embarcações pequenas que navegavam sem luz nós iríamos bater. Dormi e acordei com o corpo todo doido e não tínhamos "atropelado" nenhum barranco ou navio. As 10 horas da manhã o sino do "empurrador" avisa: almoço. As quatro da tarde, jantar.

Enquanto me, acostumava com o estranho horário das refeições, tomava cerveja, banhos de sol e banhos de balde no Amazonas. Quando o calor aperta, é só tirar o calção (das margens ninguém iria perceber a falta desta indumentária e a balsa só tinha marinheiros), jogar o balde no Amazonas e tornar a temperatura aguentável. Observava e rio enorme e a selva, além de alguns poucos botos pretos que saltavam na água acompanhando a embarcação. Segundo os marinheiros, os botos não tinham grande preferência pela nossa balsa. Só havia homens a bordo e os botos espécie de golfinho de água doce- adoram seguir navios que tenham mulheres a bordo, principalmente se alguma estiver grávida ou menstruada.

Não sei. A própria Amazônia, com seus mistérios e crendices, torna reais muitas coisas impossíveis. O fato é que, numa excursão a um igarapé próximo à Manaus, fui em barco de turismo e havia muitas mulheres. E muitos botos seguindo o barco.

Passamos diversas cidades e vilas que vivem em função do rio: não existem estradas e só se chega ou sai dali pelo rio.

 Mulheres e crianças com fortes traços indígenas vêm com pequenos barcos até a balsa para vender melancias e frutas da região. Lavo minha roupa e ela seca em poucos minutos: o sol forte e o vento no meio do rio substituem qualquer secador automático com vantagens. Apesar da minha falta de habilidade como "lavadeira", a roupa fica com um cheiro gostoso, apesar das manchas que nunca vou saber como são tiradas com tanta facilidade pelas pessoas com prática. Passo o restante dos dias só de calção, pois não pretendo adquirir prática de lavar roupa. Tento explicar algumas coisas sobre o que estamos vendo ao Kato, meu companheiro de viagem, mas percebo que meus conhecimentos sobre a região são muito teóricos para serem transmitidos: o tamanho da região, a selva e o modo de vida das pessoas são tão diferentes para mim quanto para o Kato, que é japonês. 

No domingo, 14, chegamos de madrugada Santarém, no Pará. A câmara frigorifica seria carregada de peixe que iria para Belém. Como era domingo e a segunda-feira seria feriado, havia o risco de o carregamento só ser feito na terça-feira Cansado de tantos atrasos da documentação e da própria balsa que inicialmente, não iria parar em Santarém resolvi procurar um Jeito de sair o mais rápido possível de Santarém

Santarém uma cidade bastante movi mentada com os contrastes do desenvolvi mento rápido da Amazônia: moças com camisões com legendas em inglês, óculos escuros e pés descalços. Fomos ao aeroporto, onde os funcionários só chegam algumas horas antes do avião descer e depois voltam para casa, descobrimos uma linha de ônibus que Santarém Belém "os ônibus demoram três dias, rodando o dia todo, se tudo correr bem e não chover" e conversamos com motoristas de caminhão que tinham conseguido vencer a Santarém-Cuiabá, 0 único jeito Santarém, a n de sair de a não ser c de avião, seria enfrentar um trecho da Transamazônica e quase dois mil quilômetros de estradas de terra Calculamos que gastaríamos perto de cinco dias até Belém. Voltamos ao porto e e peixe estava começando a ser solvemos continuar na balsa, que saiu a meia-noite. Novamente água. sela e rede.

Na segunda-feira, a água que tomamos entre as cervejas, que vinha direto do Amazonas para o copo, começou a fazer efeito e as visitas ao banheiro do barco se tornaram cada vez mais frequentes. A vida a bordo já estava monótona. Não tínhamos a resignação e e modo calmo dos marinheiros de contar o tempo em semanas e meses. Procurávamos o que fazer, lavamos as motos e descobrimos uma maneira de gelar rapidamente as cervejas: amarrávamos algumas latas com linha de pescar e elas eram colocadas, por um alçapão dentro da cântara frigorifica que estava 30 abaixe de zero. Fora, continuava mais de 30

Observava as, paradas, e pensava no planejamento que tínhamos feito por ele já devíamos estar na Bahia,

Na terça-feira, próximo de Belém e da foz do Amazonas, atravessamos o estreito de Breves Lá, a miséria chegava ao barco. Pequenos botes, com crianças, vinham próximo pedir esmolas O cozinheiro  Jogou algumas bolachas que conseguiram ficar boiando pouco tempo . Um verdadeiro  enxame de crianças surgiu remando e pegou todas as bolachas. Jogamos algumas bolachas também e, quando acabaram, achamos que não tínhamos mais nada que interessasse Um marinheiro sugeriu que jogássemos as latas varias de cerveja: a procura era enorme. Serviam para fazer canecas e copos que não enferrujam.

A habilidade das crianças nos botes só era comparável com a pobreza das ilhas em que viviam: naquele trecho, o Amazonas já tem maré, acompanhando o mar, e as ilhas são parcialmente alagadas. As casas são construídas sobre de troncos enterrados nas margens e as poucas verduras que cultivam são plantadas em latas que ficam na entrada da casa. A terra ruim e alagadiça, só dá assaí, uma pequena fruta que serve para refresco, sorvete ou corante. Algumas crianças tentam vender o suco do assai aos barcos que passam mas a procura não é grande, a fruta è muito comum na região e seu preço irrisório.

Na quarta-feira, muitos barcos com nomes religiosos Pela Fé, Deus e Maria e muitos nomes de santos anunciam que estamos chegando a Belém. As duas horas da tarde. aportamos e pensei em ver as motos andando dentro de poucos minutos. Mais burocracia e a ameaça de as motos só desembarcarem no

dia seguinte Mas conseguimos liberar as motos no mesmo dia. E ao entardecer, finalmente, as motos estavam rodando.

Colocamos a bagagem e resolvemos rodar a noite Kato percebeu que todo seu dinheiro tinha sido roubado: seis mil cruzeiros. Telegrafamos para São Paulo pedindo que enviassem dinheiro para Recife e demos um passeio em Belém procurando a saída da cidade. Entramos na estrada e Kato pediu que não ultrapassasse 8500 rpm, pois as motos estavam amaciando. Eu respeitava a rotação em todas as marchas Menos em quarta. Era muito tempo vendo as motos paradas e muita balsa (gastamos seis dias) a 6/8 milhas por hora. Escurecia, muitas queimadas provoca das pela seca e a CG rodando próximo da faixa vermelha. Em descidas, quando a fumaça das queimadas ardia nos olhos, prendia a respiração, deitava na moto e nem olhava o contagíros.

Paramos numa encruzilhada a pouco mais de 100 quilômetros de Belém. Dali, Kanesada Kajiki seguiria pela Belém Brasília e ou e Kato para Teresina, entrando cada vez mais no Nordeste. Despedimos de Kajiki e continuamos rodando. O motor, novo, vibrava muito, e minhas mãos ficavam entorpecidas

Mas não tinha importância: estava na estrada e queria rodar.




Nesta noite, saímos do Pará e entramos no Maranhão. Nos postos de gasolina, os motoristas de caminhão aconselhavam a parar, pois não haveriam cidades onde dormir e teríamos um longo trecho sem abastecimento. Continuamos. Perdemos o ultimo  posto antes do trecho sem abastecimento.  e precisamos usar os tanques de reserva que levávamos. O trecho de madrugada passava por uma região sem energia elétrica e não cruzávamos com nenhum veículo. Não sabia a distância até o próximo posto de gasolina e começamos a andar a 50 km/h em quarta. A média de 31.2 km per litro, com a moto em velocidade quase máxima o tempo todo, passo para o 45. 50 km por litro. Não estávamos com coragem e nem vontade de pernoitar naquela estrada por falta de gasolina

Conseguimos chegar ao posto, com pouquíssima gasolina no tanque, e continuamos. Dormimos em Santa Inês (Maranhãol. Eram mais de três horas da madrugada e tínhamos rodado 566 quilômetros.

Acordei muito cedo  a cidade estava estranha. Parte da população gritava na rua vitória do seu candidato à prefeitura, era dia 17 de novembro e outra parte tentava apagar o fogo que atingia diversas casas

A seca estava agindo. 

Alguns meninos limpavam dedicadamente as CG. que já não eram mais motos novas tinham sido declaradas amaciadas, apesar de não terem quilometragem para tal e já conhecíamos seu rendimento. A velocidade final não era muito alta em torno de 103 km/h no plano e com toda aquela bagagem) mas mantinham muito bem velocidades próximas de 100 km/h, sem diminuir muito em subidas.

Dei um pacote de bolachas para os meninos que limpavam as motos e saiu briga. Trocamos o óleo das motos (foi o único cuidado especial que receberam: troca de óleo a cada 1000 km, ao invés dos 1.500 recomendados pela fábrica) e voltamos a rodar

A vegetação forte e verde da Amazônia começava a perder forças mudava lentamente e muitas palmeiras apareciam no meio de uma vegetação mais rasteira e pouco viçosa. Estava mais tranquilo, com a vontade de rodar acalmada pelas primeiras dores nas costas. O motor, mais rodado, vibrava menos e tentamos outra relação de transmissão, trocamos pinhão de 15 dentes (original) por outro com 16. Não deu certo. A velocidade que a moto ganhava nas descidas não compensava a perda nas subidas. Voltamos aos pinhões originais. Fazíamos uma média de 90 km/h e o calor do dia nordestino contrastava com a madrugada fria que tínhamos enfrentado no dia anterior. No Nordeste, as noites são bastante frias e durante o dia não dá mui ta vontade de parar para descansar, o calor é terrível. Andando, a temperatura fico mais agradável. Apesar deste calor, as motos não reclamavam do esforço de andar em velocidades próximas da máxima. A vibração diminuía com a quilometragem (diminuiu até os 1500 km e se estabilizou em níveis toleráveis. Passamos por Bacabal e, como em quase todo o Nordeste, quase só víamos motos de pequena cilindrada. Quase saindo do Maranhão. paramos para comer mangas que um velho vendia à beira da estrada. Sentamos debaixo de uma árvore e comemos. Kato perguntava se não fazia mal comer muitas mangas. Respondo que não. "Mesmo quando é a primeira vez?" Pois difícil fazer as contas para pagar as mangas, pois um cesto enorme custava très cruzeiros. Mais adiante, chuva. Paramos e vestimos, orgulhosos, nossos impermeáveis novos. Entramos na chuva com gosto, por causa do calor, e comecei a xingar. O impermeável (fabricado pela Manchester, de Curitiba era uma piada entrava água pelo próprio tecido, que de impermeável não tinha nada. E um macacão prático, bonito e ocupa pouco espaço. Só que não deve ser usado em dias de chuva. Deve ter algum uso diferente do que conheço por impermeável.

Passou a chuva e o macacão estava ensopado. Em poucos quilômetros de sol forte, que veio logo em seguida a chuva, sequei e fui atropelado por um pássaro marron que saiu voando do mato e bateu com força na minha perna. Parei e olhei para trás: o pássaro se debatia no meio do asfalto e mi quis voltar. Não fui o causador do "atropelamento e não queria ver o bicho morrendo. Prossegui chateado alguns quilómetros e parei.

Kato chegou, sorridente "Eu pegar passarinho" Ele havia apanhado o pássaro "mau piloto e o trazia dentro do blusão. Abriu o blusão, o passarinho olhou nossa cara e saiu voando. Chegamos Teresina. Estivamos no Piaui. Tínhamos alguns endereços para encontrar e uma "cinquentinha nos guiou na capital. A "cinquentinha" ia orgulhosa "buzinante" pelo trânsito de Terezina com duas CG. carregadas como caminhões, com placas de Manaus, seguindo-a com dificuldade por casa das malas

que não passavam nos "buracos" do trânsito  Visitamos a cidade, comemos arroz com carne seca nossos intestinos voltaram a reclamar dos pratos regionais.

Saímos de Teresina de manhã cedo e começamos  a rodar. As paradas eram muito constantes, pois a desintería continuava (normalmente parávamos a cada 100/150 km e reabastecíamos a cada 150/200 km rodados. A estrada no Paui era deserta e as médias horarias estavam próximas de 100 km/h. A vegetação se tornava cada vez mais rala e os poucos caminhões que encontrávamos, e ultrapassávamos, buzinavam. Em conversas de postos de gasolina, muitos motoristas sabiam que dois "loucos" com duas "motinhos" carregadas estavam atravessando aquela região. O acelerador era mantido no máximo o tempo todo e o consumo era o mais elevado possível em torno de 30 km/l.

Novamente esquecemos que não é muito fácil achar posto de gasolina na região. Entramos no Ceará com a gasolina dos tanques reservas já no fim. Passamos a andar mais devagar para economizar combustível, mas mesmo assim acabou a gasolina da moto do Kate A minha devia ter 1/5 de litro. Esperamos uma meia hora e passou um caminhão. Era diesel e não tinha nenhuma corda para rebocar uma das motos. Mais algum tempo e passou um Volks: sua gasolina também estava na reserva e não deu para ceder combustível. Resolvi tentar chegar até a próxima cidade com o "cheiro" de gasolina que ainda havia no tanque. Deixei Kato na estrada e fui embora andando a 30/40 km/h em quarta marcha: a moto deve ter passado dos 50 km/l, pois consegui andar quase 15 quilômetros com "resto" que tinha no tanque.

Já próximo da cidade, no Ceará, a moto tosse e para pela quarta ou quinta vez. A beira da estrada, numa casa, diversas moças estão acordando (são duas da tarde) e se  arrumando.

Pelo seu trabalho, dormem muito tarde e são muito, muito gentis. Dispõem-se a dar qualquer tipo de ajuda que eu quisesse. Como precisava de gasolina e o Kato estava na beira da estrada me esperando, conversei um pouco, tombei a moto para que o "restinho" da gasolina fosse para o carburador, e lá se foi a CG. empurrada pelas bondosas moças cearenses. E muito interessante as "ajudas" s vezes estranhas, que se recebe em viagem. Cheguei ao posto, abasteci, voltei para buscar Kato e continuamos.



Depois de alguns quilômetros, uma cabra de acostamento e passo correndo na frente de minha moto. Freie, desviei e tirei uma "fina" do traseiro da cabra. Comecei a prestar mais atenção aos animais à beira da estrada. A paisagem começou a se tornar cada vez mais deserta e a seca. que eu conhecia como folclore, foi se tornando cada vez mais real e palpável. O vento quente e seco tornava os lábios secos e rachadiços Pontes em cima de rios secos. Pequenas vilas onde não se via uma só planta verde, só terra seca e rachada. Por muitos quilómetros cenário era este diferente, deserto e difícil de se acreditar que era Brasil.

E, principalmente, triste. Muito triste. Há muitos meses que não chovia e os poucos bois magros procuravam alguma coisa verde para comer e o mais difícil, agua.

Paramos um posto para reabastecer. As pessoas que nos cercavam mostravam que não só a paisagem tinha mudado: o sotaque era muito "carregado" e difícil mesmo de entender. Kato ficou no meio de uma enxurrada de perguntas e só conseguia dizer: "non entendo Entrei na conversa, respondi sobre a viagem e todos queriam saber porque Kato tinha a "fala" diferente.

Pouco antes de Fortaleza, a primeira serra com muitas curvas os pneus já estavam ficando "quadrados" por causa do peso da carga (equivalente a um garupa) e das curvas "mamas" que tínhamos encontrado até agora. A estabilidade era prejudicada pelas bolsas laterais que balançavam nas curvas mais fechadas mas, mesmo assim, a inclinação das motos mudava a posição para dirigir. melhorando a dor nas costas e me fazendo esquecer a região deserta e triste que atravessara. A estrada continuava nossa. cruzávamos com pouquíssimos veículos, Entardeceu.. apareceram algumas palmeiras, veio e horário do rush dos mosquitos e surgia Fortaleza.

Um verdadeiro oásis: justificando a fama que eu conhecia, e achava exagero, Fortaleza tem praias e mulheres lindas. Sair daquela região pobre [Maranhão] e encontrar esta cidade liberal, cheia de mulheres sorridentes, mar verde e jangadas, é um choque. (...) As jangadas já levam publicidade nas velas, mas as pessoas continuam tranquilas e pacientes com os visitantes. (...) No dia seguinte, fomos às praias de Natal, que tem o mar do mesmo tom esverdeado e bonito de Fortaleza, e os 'motoqueiros' da cidade 'descobriram as CG".


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Logo após o almoço, chegamos a Salvador: a cidade é bonita, muitas construções antigas históricas e uma geografia toda diferente. Subimos e descemos a cidade, fomos a diversos locais históricos e Kato me perdeu confuso transito da capital baiana. Minha moto falhava muito e estourava pelo escapa mento. Não consegui encontrar Kato e fui para o revendedor Honda da cidade: foi verificado o ponto de ignição ( com auxílio da luz estroboscópica) e estava poucos graus avançado.. O motor foi colocado no ponto e a falhação parou.

Kato chegou depois de uma hora, de muito rodar em Salvador. Resolvemos continuar  

Saímos ao anoitecer. e como os sensores  não devia estar cronometrando, a média voltou para perto dos 100 km/h. Eram 11 horas da noite quando paramos um posto interior da Bahia: na porta, um gaúcho tomava chimarrão. Visão esquisita para a Bahia. Conversemos com o gaúcho, que tinha se mudado a pouco para Bahia, e um motorista de caminhão, vendo nos caras amarrotadas e cansadas, queria que jogássemos as motos em cima da carga e viajássemos com ele.

.Agradecemos e continuamos a rodar. Esfriava e as baixadas  estavam geladas. Furamos sacos de plástico e vestimos  entre a camiseta e blusão. Quando parava, a vontade era tomar um conhaque para esquentar. Tomava café, com conhaque, eu "capotaria". Os músculos do ombro ficavam gelados de càibra e eu tentava fazer exercícios nas paradas para esquentar e tentar melhorar as dores no corpo

Olhava o céu e sabia em que direção estávamos indo. Tinha voltado a saber me orientar pelo Cruzeiro do Sul (o céu cinza de São Paulo faz qualquer um esquecer as estrelas). Kato fazia ginástica de karaté no meio do asfalto vazio e comentava que tinha andado 1700 km para conhecer o Japão inteiro. O tamanho do nosso país não cabia em sua cabeça. Nem na minha.

Chegamos a Itabuna. No hotel, fomos olhados como marcianos. Tínhamos cruzado com diversos caminhões "boiadeiros" que carregam bois vivos e não tem sanitário para estes passageiros e junto com o monte de mosquitos, estampados como medalhas no nosso peito, havia diversas manchas verdes lembranças dos bois que viajavam pela mesma estrada que nós. Tentei explicar, mas não dava. Queria dormir. Havíamos percorrido 816 quilômetros naquele dia

Salmos cedo de Itabuna e depois de alguns quilômetros (a minha moto estava com 4575 km rodados), o pára-lama traseiro se solta. Um chiado estranho me fez parar: colocamos os parafusos, que tinham ficado entre o quadro e a ferragem do bagageiro, e voltamos a rodar.

Uma placa avisa "A Bahia agradece sua  visita" e alguns metros mais, outra diz Benvindo ao Espirito Santo" Um Volks, que vem em sentido contrário, me joga para o acostamento e o motorista vai embora rindo... Penso nos bois que, apesar de nos esverdearem, são mais educados e menos sádicos.

Passamos por Vitoria e fomos dormir em Guarapari. A dor no corpo avisava que tínhamos rodado mais 812 quilômetros naquele dia. No dia seguinte, iríamos apenas até o Rio de Janeiro. Não tínhamos a mesma resistência que as motos estavam demonstrando Do Espirito Santo até São Paulo eu já conhecia e a vontade era seguir direto. Mas o corpo não permitia. Olhei Guarapari mais uma vez. Alguns velhos procuravam areia monazítica e juventude nas praias bonitas e pequenas enseadas.

Mas a cerveja já estava com gosto de saudade e fomos para a estrada. Atravessamos o Espirito Santo, entramos no Estado do Rio, ponte Rio-Niterói e chegamos ao Rio de Janeiro ainda durante o dia. Vontade de continuar. Não sei quantas vezes já percorria Dutra e estava achando que a CG conseguiria fazer Rio-São Paulo sem minha ajuda. Quando eu sentava na moto, sorria pensando no momento em que eu ameaçasse sentar e a moto começaria a funcionar sozinha, por costume e solidariedade. 

Ficamos no Rio. No dia seguinte, a estrada surgiu bem cedo, Tempo feio e ameaçando chuva. Colocamos nossos "impermeáveis". Olhei para o Kato e ele também ria. Se chovesse, não iria adiantar nada aquela "proteção". E choveu. Atravessamos a divisa do Estado de São Paulo embaixo de chuva. O Estado não nos recebia bem estávamos ensopados. Próximo de São José dos Campos velo uma tempestade. A água estava gelada nós também e a visibilidade era quase nula. Andávamos a 60 km/h. Batia os dentes e quando podia falar, xingava o macacão e o tempo. Quase chegando em São Paulo, enfrentamos um congestionamento de vários quilômetros na Dutra: a estrada está inundada. A Agua tinha 30 ou 40 cm de profundidade e a CG rateou. Acelerei. O motor titubeou e assentou. Se ele parasse naquele momento, juro que levaria um chute. Pelo menos. 


São Paulo surgiu. A cidade continuava feia e cinza, como sempre, mas eu tremia de frio e sorria. Fazia nove dias que havíamos saído de Belém, tínhamos atravessado treze estados brasileiros e o velocímetro indicava 5904 quilômetros rodados com uma 125, com uma média geral de consumo de 32.6 quilômetros

E as motos merecidamente descansaram.


*Duas Rodas edição de dezembro de 1976.

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O lançamento da Honda CG 125 só não previa as medidas. drásticas do governo para conter o consumo de combustíveis. Apesar de contar com uma boa aceitação da moto, produzida em Manaus, a Honda não esperava que as boas condições do merca do brasileiro se transformassem em necessidade real de veículos econômicos em tão pouco tempo: a produção prevista de 1500 unidades mensais está se mostrando pequena para a procura. Além disso, a Honda encontrou um panorama bastante favorável ao lançamento de uma 125, pois diversas fabricas já haviam anunciado o lançamento de uma moto desta cilindrada e a Honda foi a primeira a conseguir colocar seu produto, nacionalizado, no mercado.

A CG 125

Bastante diferente da similar importada CB 125 S2 a Honda CG 125 foi baseada em uma moto anteriormente fabricada para o mercado asiático com vários aperfeiçoamentos, mecânicos e estéticos, e foi lançada, praticamente na mesma época, na França e no Brasil. O modelo francês, apesar de ter a mesma mecânica básica quadro, suspensão e motor, tem acessórios diferentes (tanque, laterais e pintura) do. modelo brasileiro, além de ter câmbio com cinco velocidades.

Nosso modelo apresenta estética atualizada, com maior porte que a CB 125 S2, anteriormente importada. Pequenos problemas, alguns que influem na estética da moto, comuns às Honda de baixa cilindrada, não foram soluciona dos: o paralama dianteiro envolve demais a roda e a chave de ignição tem péssimo posiciona mento.

O aspecto mais agressivo da CG se deve, principalmente, a acessórios (a maioria já nacionais) que tornaram a 125 da Honda uma moto de bom porte para sua cilindrada: tanque, selim e conjunto de escapamento, que tiveram suas dimensões ampliadas na moto nacional.

Com o programa de nacionalização progressiva da Honda, é possível que alguns componentes sejam modificados e melhorados.

A próxima etapa de nacionalização deve atingir cromados (como os paralamas, que ainda são importados) e pneus. Já existe uma CG em testes com pneus nacionais da Pirelli.

O índice de nacionalização atual pode ser considerado bom (levando-se em conta o inicio de produção e as facilidades da Zona Franca que permitem índices. mais baixos e são produzidos no país pela própria Honda ou por indústrias de moto-peças: quadro, selim, tanque, laterais, carcaça de farol, sinaleiras, espelhos retrovisores e outros acessórios, além da pintura, montagem e acabamento de diversos conjuntos, somando 28% de nacionalização, em valor.

Considerando as modificações e a introdução de elementos nacionais, a Honda conseguiu man. ter ótimo padrão de acabamento, comparável ao das motos importadas.

A mecânica

O motor utilizado pela CG difere basicamente dos motores que equipam as Honda até então: importadas. A principal modificação se refere ao comando de válvulas, que normalmente a Honda posiciona no cabeçote. Na CG 125, o comando está localizado lateralmente, no bloco do motor, e as válvulas são comandadas por varetas, solução bastante tradicional.

Com estas e outras características tradicionais, o motor da CG perdeu a performance "esportiva" da CB 125 que tinha comando no cabeçote, e torque em alta rotação.

Porém, se a solução tradicional, ou até desatualizada, fez com que o motor deixasse de responder em alta rotação com mais torque, também permitiu que esse torque fosse melhor distribuído isto significa que a moto responde bem tanto em baixa como em alta rotação.

Não só a faixa de torque foi alterada como também houve uma troca: o rendimento "esportivo" deu lugar a mais resistência - comprovada por dezenas de motos antigas que rodam com motores semelhantes por diversas décadas e também por uma maior facilidade, e simplicidade, de manutenção. A resistência. deste motor foi comprovada por Duas Rodas Motociclismo na viagem-teste de Manaus a São Paulo (publicada em dezembro de 76) quando uma CG foi exigi da ao máximo durante 5900 quilômetros. 

Apesar de não muito atualiza do, este motor se adapta bastante às "condições brasileiras" e à imagem de trabalho que uma 125 cc se propõe atualmente num país onde o combustível deve ser usado "racionalmente": é um motor que requer pouca manutenção e que, quando forem necessários reparos, serão fáceis e de custo razoável. .

O câmbio tem boa relação de marchas (na viagem Manaus - São Paulo foi tentada uma nova relação final que não aprovou) e ficou comprovado que este câmbio de quatro marchas (são cinco na versão francesa da CG) está bem escalonado e com uma relação final apropriada. As quatro velocidades são aceitáveis, considerando-se o bom torque em baixas rotações, mas uma quinta marcha seria desejável.

O posicionamento das marchas no pedal todas as marchas para baixo pode representar alguma facilidade para principiantes que estão aprendendo a dirigir com a CG mas, para quem já teve contato com outras motos, é um problema.

Depois de algum tempo e prática dirigindo uma moto, a posição das marchas se torna praticamente inconsciente: o fato de as marchas desta moto terem posição diferente das outras atrapalha bastante e muitas vezes pode causar danos ao motor. Um motociclista habituado com outras motos, muitas vezes, quando está em segunda, por exemplo, coloca uma primeira, pensando que está engatando uma terceira, o que faz o motor ultrapassar a faixa vermelha e provoca uma frenagem inesperada da roda traseira, o que pode ser um problema de segurança.

A suspensão não tem novidades e é bastante semelhante à das motos importadas: a traseira é tipo "bandeja" com amortecedores, sem regulagem, e a dianteira tem as molas externas às bengalas, o que torna necessária a cobertura destas molas por uma capa niquelada, ao contrário da CB, que tinha uma borracha sanfonada.

O quadro, nacional, é do tipo simples com apenas uma barra ligando o apoio do garfo dianteiro ao motor.

Andando com a CG

Seu comportamento é bom para a cilindrada e é fácil de dirigir, pois não exige muita troca de marchas, o que é comum em outras motos de baixa cilindra da. Leve e bastante dirigível, a CG é bem ágil em trânsito in tenso.

Não é muito veloz, mas este fato é compensado pela facilidade para manter velocidade em viagens: dificilmente é necessário usar a terceira marcha em estradas.

Um problema apresentado, principalmente nos 1500 km de amaciamento, se refere à vibração produzida pelo motor. Esta tendência para vibrar em alta rotação é comum em motores de apenas um cilindro mas, nos primeiros quilômetros (até o motor "soltar" chega a incomodar.. Passando o período de amacia mento, a vibração diminui, apesar de ser sentida, principalmente, quando se pilota a moto durante muito tempo em alta rotação.

A estabilidade é normal e as pequenas oscilações que apresenta em curvas muito fechadas não chegam a atrapalhar a dirigibilidade.

Apesar da taxa de compressão. de 9.0 1. quase a mesma da CB importada, pode-se usar gasolina. comum evitando apenas acelerar demais para evitar "batidas de pino".

O consumo se mantém em níveis muito bons, principalmente. com o preço atual da gasolina.

A eficiência dos freios é normal mas sofrem algum "fading" (perda de ação por excesso de calor). Os tambores dianteiro e traseiro têm o mesmo diâmetro: na traseira funciona muito bem e dificilmente trava a roda. Mas, na dianteira, o tambor poderia ser maior, para aumentar a capa cidade de frenagem. Apesar de não ser uma ameaça para a segurança, um freio dianteiro mais. agressivo seria conveniente, principalmente quando se anda com garupa, ou se solicita constante mente os freios.

A nova Honda CG 125 é bastante confortável principalmente pelas boas dimensões do banco e também pela posição para dirigir proporcionada pelo guidão.

A parte elétrica é bastante eficiente, com um farol de boa luminosidade em função de suas dimensões e da capacidade do sistema elétrico da moto, que funciona com magneto e bateria.

Conclusão

As características da Honda CG 125 são bastante próximas das necessidades do mercado brasileiro e, mais do que nunca, seu lançamento foi feito num ótimo momento, quando os problemas de importação de petróleo começam a influir na venda de motos.

Algumas deficiências ou desatualizações são justificadas pela necessidade de adaptar a moto às condições de trabalho e manutenção que irá enfrentar e à falta de alguns recursos como o banco escamoteável, por exemplo. são compensados pelo preço acessível e pelo padrão de acabamento (que inclui um conta giros).

Apesar de poucos componentes nacionais, o critério na escolha destas peças demonstra que a introdução de novos itens brasileiros deverá obedecer aos padrões iniciais, ainda que uma produção maior seja desejável para suprir um mercado que "descobriu" as motos de repente, é por necessidade.


Ficha técnica

MOTOR: Tipo Monocilíndrico, quatro tempos, comando no bloco, válvulas na cabeça: Cilindrada - 124 cc; Potência 11 HP a 9000 rpm; Torque máximo 0,94 kgfm a 7500 rpm; Diâmetro e curso- $6,5 x 49,5 mm; Taxa de compressão 9,0: 1; TRANSMISSÃO 4 velocidades, embreagem multidisco em banho de óleo, partida por pedal, transmissão secundária por corrente. DIMEN. SOES: Comprimento 1900 mm; Largura 735 mm; Altura 1025 mm; Distância entre eixos 1200 mm; Distância mínima do solo - 140 mm; Peso liquido - 94 kg: Capacidade do tanque de combustível - 9,5 litros; Capacidade de óleo no motor -1,0 litros. PNEUS: Dianteiro - 2,50 -184 PR; Traseiro-2,75 - 184 PR. FREIOS: Dianteiro e traseiro a tambor, com diâmetro de 110 mm e área de atrito de 86,4 cm², acionamento mecânico.

*Duas Rodas edição de Março de 1977.


Palavras de Josias Silveira sobre Osamu Iida, ou simplesmente Iida San, Presidente da Honda já em 2021:


Quando vi o projeto da CG, que já havia sido lançada na Ásia, briguei muito com Iida. “Que moto sem-vergonha, Iida. Isso é uma bicicleta motorizada. Tem que ser alguma coisa com motor maior, comando no cabeçote, freio a disco na dianteira”.

“Isso vem depois, dizia Iida (e realmente veio, começando com a Turuna), precisamos de uma moto simples, resistente, que possa ser consertada pelo próprio dono lá no meio do sertão”.

Sua visão e seu plano para os 20 primeiros anos da Honda no Brasil, previam tudo. Ele só precisava de pessoas como eu para afinar sua visão do nosso País e tentar entender as tradicionais trapalhadas dos governos brasileiros, tudo para ajustar detalhes de seu minucioso planejamento.

No meio de nossas discussões, regadas por um bom uísque, Iida misturava as línguas e começava a argumentar em inglês, francês, espanhol, italiano… As línguas que eu arranhava ia junto, para desespero dos garçons do hotel onde Iida residia, que observavam dois malucos brigando, às vezes cada um falando uma língua. Quando ele começava a perder a discussão falava em japonês. Eu o xingava em alto e bom português. Iida sorria, levantava, fazia aquela mesura bem japonesa e agradecia por aumentar seu vocabulário também em palavrões.

Quando finalmente vi que vinha a CG mesmo, desafiei Iida: “Se você acha que essa encrenca é assim resistente, virei rodando de Manaus para São Paulo com uma das primeiras que saírem da linha de montagem”. Iida topou com a condição de que tivesse notícias minhas (e do Kato San, da Honda, meu companheiro de aventuras) todas as noites, o que nem sempre era possível.

E assim Iida salvou a Honda e o destino da Duas Rodas, e eu pude contar uma aventura master, no final de 1976 com uma das primeiras Honda nacionalizadas. E a CG até hoje continua a moto mais vendida do País. Iida tinha toda razão.




* O trecho entre Natal e Salvador não se encontra contemplado pela indisponibilidade das páginas foco dessa postagem.

E nos dias atuais, existem 14 milhões de CG e derivadas rodando pelo país afora.







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