Os “órfãos” de uma Grande Empresa

O preparo dos herdeiros por mais de 15 anos ajudou a superar o trauma do esperado fim da empresa. Nem por isso a dor dos sonhos interrompidos foi menor
Carla Fontana, a filha do fundador por trás da profissionalização do Conselho: “Fiquei acabada. Eu só chorava e tive de tomar remédio” Poucas pessoas chegam aos 25 anos de idade com a clareza e a determinação do que querem da vida como Roberto Fontana Pusset. “Meu objetivo na Sadia era ser presidente executivo”, afirma, com todas as letras e detalhes, o bisneto do fundador da empresa, Attilio Fontana. “Provavelmente ia demorar 20, 25, quem sabe 30 anos. Eu ia tomar tapas de todos os lados. Ia ter de trabalhar 25 horas por dia, oito dias por semana. Estava disposto a sacrificar tudo, para um dia sentar naquela cadeira. Era meu plano de vida.”
De um dia para o outro, o plano caiu num abismo bem fundo. A Sadia, como se sabe, foi obrigada a se unir à Perdigão, após ter perdas milionárias com derivativos cambiais tóxicos, em 2008, dando origem à BrasilFoods. Como se sabe, também, a Sadia iria acabar. O ponto final na história da multinacional, que chegou a ter 22 fábricas e presença em 117 países, foi colocado em 31 de dezembro passado com o cancelamento do CNPJ, emitido havia 68 anos.



Foi mais um ganho de sinergia trazido com a criação da BRF. Agora, não será mais necessário emitir duas notas fiscais ou dois pedidos, um para cada empresa. Mas, nem mesmo sabendo que isso aconteceria, a dor dos envolvidos foi menor. “Agora, até conseguimos falar do assunto, né, Tuco?”, afirma Carla Fontana, filha de Attilio, em tom de brincadeira, a Pusset.
Hoje com 28 anos, Tuco ri e emenda, sério: “Você sabe o que é, de um dia para o outro, seu chão cair? De repente, você não está mais pisando em nada e sua vida muda de forma tão radical, e tão para pior?”.
Não foram poucos os órfãos da Sadia a perder o chão. Pusset conta que, ao tomar conhecimento dos prejuízos, os avós e tios-avós jamais falaram sobre dinheiro, ações ou quanto teriam a receber. Só falavam no legado da família. Era penoso pensar que os protagonistas de um império passariam, dali em diante, a figurar apenas nos livros de memória dos grandes conglomerados nacionais, engrossando a lista dos clãs Bardella, Bueno Vidigal, Matarazzo...
Já Carla, Pusset e outros membros envolvidos no dia a dia da corporação talvez carreguem o que chamam de “facada no coração” de maneira mais doída. Para eles, a perda foi de uma parte de seu cotidiano e suas vidas. Walter Fontana Filho, ex-presidente executivo e ex-presidente do Conselho da ex-empresa, emagreceu sete quilos, como mostrou Época NEGÓCIOS há três anos. Dormia à base de remédios.
Já Pusset, “em português claro”, caiu na maior depressão do mundo. Não saía de casa e não se animava, fosse para uma boa balada ou pelo melhor projeto. Carla diz ter ficado destruída. “Se você me dissesse: ‘como essa mesa é bonita’, eu chorava”, afirma. “Eu só chorava. Fui fazer terapia, tomei remédios e, aos poucos, fui melhorando.”
Filha temporã de Attilio, com 49 anos Carla tem idade para ser a irmã um pouco mais velha de alguns dos sobrinhos-netos. Tatuagem grande e colorida no braço direito e personalidade forte, ela assumiu a missão de criar o Conselho de Família, que ajudou a reerguer a Sadia na década de 90. Ela também levou à frente o Family Office, que trouxe de volta à empresa a nova geração e deu aos herdeiros mais jovens maior clareza do que queriam de suas carreiras. Já Pusset foi um dos primeiros a entrar pela fresta aberta pelo Conselho para que quem tivesse os sobrenomes Fontana e Furlan voltasse.
Para eles, tanto a fusão com a Perdigão quanto o fato de não ter havido uma gigantesca briga familiar só foi possível graças ao trabalho iniciado em 1991, que os uniu para a criação do Conselho de Família. Durante um ano, uma vez por semana, dois ou três representantes de cada um dos nove clãs reuniam-se num flat “para uma terapia de grupo”, como define Carla. “Falávamos tudo o que tínhamos a dizer um para o outro e, na maioria das vezes, eram coisas difíceis.”
Até então, apenas os homens da família – quisessem ou não, fossem preparados ou não, tivessem talento ou não – nasciam para trabalhar na Sadia. As mulheres, por mais que tivessem vocação, não. Segundo eles, isso colocava na empresa pessoas sem aptidão, nem interesse pelo negócio. Como a Sadia começou a enfrentar dificuldades, os conchavos ficaram mais pesados. “Fazíamos, por exemplo, reuniões secretas na casa de fulaninho”, afirma Carla. “Isso acaba com qualquer empresa.” No início, as questões abordadas pareciam tolas, como o número de vagas na garagem, a compra de um carro caro ou o horário em que determinado parente chegava para trabalhar. “Geralmente, o motivo da discussão nas empresas familiares não é o que aparenta”, diz Renata Bernhoeft, sócia da consultoria höft, especializada em empresas familiares. “Ali está só a ponta do iceberg, que traz ressentimentos acumulados por 30, 40 anos.” Por isso, é importante fazer o que Renata chama de limpeza do passado, para que a empresa consiga pensar no futuro.
Criado para proteger a Sadia dos problemas da família, o Conselho ajudou a proteger seus membros, que passaram a ter clareza sobre suas carreiras e aprenderam sobre o negócio e o setor por anos
No caso da Sadia, percebeu-se que o problema maior eram os parentes-funcionários não qualificados. Durante três anos, saíram 19 pessoas, num processo que Carla classifica como extremamente doloroso. “Teve gente que se sentiu muito traída, mas teve gente que deu graças a Deus, porque não tinha a menor vontade de acordar cedo e ir trabalhar”, diz Carla. Foi o momento da passagem da segunda para a terceira geração da família, quando Luiz Fernando Furlan assumiu a presidência do conselho e Walter Fontana Filho, a presidência executiva. Foi também o momento no qual a Sadia deixou de ser uma empresa agroindustrial para se tornar uma empresa de alimentos. O faturamento saiu de R$ 3,3 bilhões, em 1993, quando eles assumiram, para R$ 9,8 bilhões, 14 anos depois. Segundo ela, isso só foi possível porque a nova geração permitiu que a empresa pensasse que “não era mais um abatedouro de frangos e porcos”.
Ao mesmo tempo, o Conselho ficou mais profissional. Eles passaram a entender dos números, do negócio, da concorrência. “O grande desafio é transformar a empresa familiar numa família empresária”, afirma Renata. “A Sadia foi muito bem-sucedida nesse aspecto.”
Se do ponto de vista dos negócios as coisas iam bem, do lado pessoal, a família ficou praticamente dez anos sem se reunir como um todo. Apenas alguns grupos se encontravam e muita gente não se falava. Na opinião de Carla, com o tempo, perceberam ter sido xiitas. “Estávamos todos tão desgastados com relações familiares difíceis, com o trauma de tirar tanta gente, que o medo de errar e ter de tirar mais algum fez com que fôssemos ao outro extremo: fechamos a porteira”, diz. Também começaram a achar que a Sadia estava perdendo a essência e a cultura familiar. Foi assim que surgiu o projeto de incorporar os bisnetos de Attilio à empresa. Na primeira reunião, em 2003, realizada em um hotel em São Paulo, havia 40 jovens com plaquinhas com o nome e o sobrenome Fontana ou Furlan. Poucos se conheciam.

A Sadia não foi a primeira empresa do grupo a desaparecer. Em 2001, a Transbrasil, controlada por Omar Fontana, filho de Attilio, vergou sob o peso de dívidas bilionárias e teve sua falência decretada. A empresa chegou a ter cem destinos nacionais e internacionais.

Isso mudou rápido. Passaram a acontecer reuniões na sede da empresa na Vila Anastácio, em São Paulo, às 18 horas, quando todos saíam da faculdade ou do trabalho. “Era uma zona”, diz Carla. “Eu tinha de dar uns três esporros para conseguir fazer com que ficassem quietos e a gente começasse a discutir algo.” Após meses de estudo, foi criado o Family Office. Diferentemente da maioria dos modelos existentes, o da Sadia era voltado à gestão de conhecimento, em vez de patrimônio. O objetivo era criar acionistas profissionais, que entendessem do negócio. Os encontros aconteciam a cada dois meses, durante um fim de semana. De dia, aulas sobre vários temas ligados à empresa e ao mercado. À noite, balada. “Com a tia-avó junto”, diz Carla, rindo.
O resultado, dizem eles, foi que muitos dos jovens se apaixonaram pela Sadia. Até então, conheciam de longe a empresa. Quando mergulharam nos números e perceberam sua importância, fizeram o que os mais novos fazem de melhor: se engajaram, com todo o coração. “Como não éramos orientados a trabalhar na Sadia, ficamos ausentes dela, sem noção do que representava”, diz Luis Felipe Fontana, filho de Carla. Foram criadas regras para que os mais novos pudessem voltar à companhia, como ter pós-graduação e ter trabalhado dois anos em outra empresa. “Houve ganhos de todos os lados”, diz Maíra Habimorad, sócia da consultoria DMRH, que fez entrevistas e avaliações dos herdeiros. “Quem não entrou na Sadia passou a ter clareza do que queria. A empresa absorveu os herdeiros realmente interessados em fazê-la crescer.”
Pusset: “Meu plano de vida era ser presidente executivo da Sadia. Ia trabalhar 25 horas por dia, oito dias por semana, por 30 anos, mas sacrificaria tudo para sentar naquela cadeira” Àquele ponto, os jovens começavam a vencer a resistência tanto dos executivos profissionais quanto dos parentes mais velhos. Para os diretores, sempre foi mais fácil trabalhar sem o olho do dono e, para os parentes, era difícil respeitar a nova geração. Quando o projeto começou a deslanchar, veio a crise dos derivativos. Não houve tempo para o futuro da Sadia S.A. “Era meu auge”, diz Pusset. “Eu representava meu grupo familiar no acordo de acionistas, tinha um espaço bacana no Family Office, fiz o projeto memória que foi muito bem recebido. Além disso, havia acabado de assumir a renovação da marca Qualy, de primeira importância para a empresa. Estava num parque de diversão e adorando cada minuto. Daí, desligaram a chave.” Pior: deram o comando do parque para a Perdigão, que os herdeiros odiavam desde criancinhas.
Quase cinco anos depois, a família não se reúne mais em encontros anuais que aconteciam perto do Natal. Porém, ficam as lições sobre a perda. A estrutura de governança criada para proteger a Sadia dos problemas da família ajudou a fortalecer seus membros, que se tornaram profissionais mais bem preparados. Ainda que sofrendo com o destino da companhia, sabem que a fusão era o melhor caminho.
A BrasilFoods tem um tamanho que a Sadia não atingiria, se mantivesse o ritmo de crescimento, nem em 50 anos. Seus pontos fortes foram preservados. A marca está aí, liderando as vendas do setor. “Falar que o legado continua requer um desapego violento e eu não desapeguei: estou falando só da boca para fora”, diz Pusset. “Ainda dói.” Ao que a tia-avó Carla rebate: “Isso é porque você é jovem. Eu já consegui desapegar. Até hoje a família continua cuidando [informalmente] da marca e vamos continuar fazendo isso”.
Cristiane Barbieri -06 MAR 2013 -Época NEGÓCIOS.


Breve posfácio Politico de Attilio Fontana, ao final do seu mandato de senador:
Por aí se vê que trabalhei com afinco como representante do meu povo. Isso sem contar o esforço desenvolvido “no recesso das comissões”, como bem testemunhado aqui .Foram oito anos de atividade intensa, mas que representam o período áureo da minha vida . Encerrando este capitulo, deixo aqui a minha profissão de fé política, amadurecida ao longo de vinte e oito anos de militância.
Declaro-me um social-democrata convicto, e como modelo político apontaria a Alemanha Ocidental com o seu sistema de voto distrital. Sou favorável ao pluripartidarismo, entendendo-o como ideal para uma democracia socializante a existência de quatro partidos.
Brasilia, 27 de Novembro de 1970.



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